de mim sei que depois de me ter metido a cavaleiro andante, sou bravo, comedido, liberal, bem-criado, generoso, cortês, audaz, brando, paciente, sofredor de trabalhos, de prisões, de encantamentos, e ainda que há tão pouco tempo me vi metido dentro duma jaula, como se fosse doido, espero, pelo valor do meu braço, ser dentro de poucos dias rei de algum reino, onde possa mostrar o liberal agradecimento que o meu peito encerra; que, por minha fé, senhor, está inabilitado o pobre de poder mostrar com pessoa alguma a virtude da generosidade, ainda que em sumo grau a possua, e a gratidão, que só consiste no desejo, é coisa morta, como é morta a fé sem obras. Por isso quereria que a fortuna me oferecesse depressa alguma ocasião de ser imperador, para mostrar o meu ânimo, fazendo bem aos meus amigos, especialmente a este pobre Sancho Pança, meu escudeiro, que é o melhor homem do mundo, e quereria dar-lhe um condado que há muitos dias lhe trago prometido, mas receio que não tenha habilidade para governar o seu estado.
Sancho, ouvindo estas últimas palavras, disse para seu amo:
— Trabalhe Vossa Mercê por me dar esse condado, que há tanto tempo me promete, e eu espero, e lhe juro, que me não faltará habilidade para governá-lo; e, se faltar, tenho ouvido dizer que há homens no mundo que tomam de arrendamento os estados dos senhores, e lhes dão um tanto por ano, e tratam do governo, e os senhores verdadeiros estão de perna estendida, gozando a renda que lhes dão, sem se importarem com mais nada; e é o que eu hei-de fazer, e não hei-de reparar muito na quantia, mas desisto logo de tudo, e passo a gozar da minha renda como um duque, e os outros que lá se avenham.
— Isso — disse o cônego — é bom em quanto ao gozar a renda; mas