que o defunto, o Crisóstomo, foi grande homem em compor coplas; tanto assim que era ele que fazia os vilancicos para a noite de Natal, e os autos para a festa do Corpus-Christi, que os representavam os rapazes do nosso povo, e todos diziam que não havia mais que desejar. Admirados ficaram os do lugar, vendo tão a súbitas vestidos de pastores os dois estudantes; e não podiam adivinhar a causa de tão estranha mudança. Já a esse tempo se era finado o pai do nosso Crisóstomo, deixando-lhe um poderio de fazenda, tanto em móveis, como em bens de raiz, e quantidade não pequena de gado miúdo e grosso, e dinheiro que farte; do que tudo ficou o moço senhor absoluto; e verdade, verdade, que tudo isso merecia ele, que era muito bom companheiro, caritativo e amigo dos bons, e tinha uma cara de abençoado. Depois é que se veio a alcançar que a mudança do trajo nenhuma outra razão tinha tido, senão o andar-se por estes despovoados atrás daquela pastora Marcela, que o nosso pegureiro já nomeou, e da qual se tinha namorado o pobre defunto do Crisóstomo. E agora vos quero dizer, porque é bem que o saibais, quem seja esta cachopa; coisa semelhante, nunca talvez em dias de vida a ouvísseis, nem ouvireis, ainda que vivais mais anos que Sarna.
— Dizei Sara — replicou D. Quixote, não podendo sofrer ao cabreiro a troca de palavras.
— A sarna vive por desespero — respondeu Pedro; — se me haveis de andar remordendo a cada passo as palavras, nem num ano concluiremos.
— Perdoai, amigo — disse D. Quixote — mas tão diferentes coisas são sarna e Sara, que por isso vos fui à mão; mas vós respondestes muito bem, porque mais vive no mundo a sarna do que viveu Sara. E prossegui a vossa história, que vos não tornarei a atalhar em coisa alguma.
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