O que julgou de D. Quixote de la Mancha foi que nunca vira um homem assim: admirou o comprimento do cavalo, a grandeza do corpo do cavaleiro, a magreza e amarelidão do seu rosto, as suas armas, o ademã, compostura, figura e fisionomia, que nunca topara outros semelhantes. Notou bem D. Quixote a atenção do caminhante e leu-lhe na suspensão a curiosidade; e como era tão cortês e tão amigo de agradar a todos, antes que ele lhe perguntasse coisa alguma, foi-lhe ao encontro, dizendo-lhe:
— Esta figura que Vossa Mercê está vendo, por ser tão nova e tão diversa das que se usam vulgarmente, não me maravilho que o espante; mas deixará Vossa Mercê de se espantar, em eu lhe dizendo que sou cavaleiro, destes que dizem as gentes que vão às aventuras. Saí da minha pátria, empenhei a minha fazenda, deixei os meus regalos e entreguei-me nos braços da fortuna, que me levasse aonde fosse servida. Quis ressuscitar a já morta cavalaria andante, e há muitos dias que, tropeçando, caindo, despenhando-me aqui, levantando-me acolá, cumpro, em grande parte, o meu desejo, socorrendo viúvas, amparando donzelas e favorecendo casadas, órfãos e pupilas, ofício próprio e natural de cavaleiro andante; e, assim, pelas minhas façanhas, muitas, valorosas e cristãs, merecia andar já impresso em quase todas, ou na maior parte das línguas do mundo. Estamparam-se trinta mil exemplares da minha história e parece-me que ainda se hão-de imprimir mais trinta mil milhares, se o céu lhe não acudir. Finalmente, para tudo resumir em breves palavras, ou numa só, digo que sou D. Quixote de la Mancha, por outro nome chamado o cavaleiro da Triste Figura; e, ainda que o louvor em boca própria é vitupério, é-me forçoso dizer eu talvez os meus, já se vê, quando não estiver presente quem os diga em meu lugar.