vosso escudeiro, chorando a vossa desgraça, foi convertido num rio, a que deu o nome, que, apenas chegou à superfície da terra e viu o sol do outro céu, tamanho pesar sentiu de ver que vos deixava, que se submergiu nas entranhas da terra; mas, como não é possível deixar de acudir à sua natural corrente, de quando em quando sai e mostra-se onde o sol e a gente o vejam. Vão-no fornecendo das suas águas as referidas lagoas, e com essas e outras muitas entra pomposo e grande em Portugal. Mas, por onde vai, revela a sua tristeza e melancolia, e não se orgulha de criar nas suas águas peixes de regalo e de estimação, mas sim grosseiros e dessaborosos, muito diferentes dos peixes do áureo Tejo; isto que vos disse agora, meu primo, muitas vezes vo-lo tenho dito, e, como me não respondeis, imagino que me não acreditais nem ouvis; e Deus sabe o que me pesa. Umas novas vos quero dar agora, que, ainda que não sirvam de alívio à vossa dor, pelo menos não a aumentarão de modo algum. Sabei que tendes aqui, na vossa presença (abri os olhos, e vê-lo-eis) aquele grande cavaleiro, de quem tantas coisas profetizou o sábio Merlin, aquele D. Quixote de la Mancha, que de novo, e com maiores vantagens que nos passados séculos, ressuscitou a já olvidada cavalaria andante, por cujo meio e favor poderia ser que nós outros fôssemos desencantados; que as grandes façanhas para os grandes homens estão guardadas.
— E quando assim não seja — respondeu o triste Durandarte, com voz desmaiada e baixa — quando assim não seja, paciência, e toca a baralhar as cartas.
E, voltando-se para o outro lado, tornou ao seu habitual silêncio.
Ouviram-se nisto grandes alaridos e prantos, acompanhados de profundos suspiros e angustiados soluços. Voltei a cabeça, e pelas paredes de cristal vi que passava por outra sala uma procissão de duas fileiras de formosíssimas donzelas, todas vestidas de luto, com turbantes brancos ao modo turco.