No coice da procissão vinha uma senhora, grave e vestida de preto, com touca branca tão estendida e larga que beijava o chão. O seu turbante era o dobro do maior de qualquer outra; tinha os sobrolhos muito unidos, o nariz um tanto esborrachado, a boca grande, e os lábios corados; os dentes, que de vez em quando mostrava, eram ralos e mal postos, ainda que alvos como amêndoas sem casca: trazia nas mãos um lenço finíssimo, e dentro dele um coração tão seco, que parecia mumificado. Disse-me Montesinos que toda aquela gente eram servidores de Durandarte e de Belerma, que estavam encantados com os seus amos, e que a última, que trazia o coração no lenço e nas mãos, era a senhora que fazia Belerma, quatro dias por semana aquela procissão com as suas damas, cantando, ou, para melhor dizer, chorando endechas sobre o corpo e sobre o coração de seu primo; e que, se me parecera feia, ou pelo menos não tão formosa como dizia a fama, eram causa disso as más noites e piores dias que passava naquele encantamento, como podia ver nas suas grandes olheiras e na sua palidez; e não vem esse estado de incômodos femininos, que é coisa que ela não tem desde que aqui está, mas da dor que o seu coração sente, que lhe renova e lhe traz à memória a cada momento o outro coração que tem nas mãos, e que lhe é inspirada pela desgraça do seu malogrado amante; que, se não fosse isso, apenas a igualaria em formosura, donaire e brio a grande Dulcineia del Toboso, tão celebrada em todos estes contornos e até em todo o mundo.
— Alto lá, senhor D. Montesinos — disse eu então — conte Vossa Mercê a história como deve, que bem sabe que tudo quanto são comparações é odioso; a sem par Dulcineia é quem é, e a senhora Belerma é quem é e quem foi, e fiquemos por aqui.