a mais branca e a mais farta barba que nunca até então olhos humanos tinham visto, e disse, pondo os olhos no duque, com voz sonora e grave que parecia arrancada do amplo e dilatado peito:
— Altíssimo e poderoso senhor, chamam-me Trifaldino da barba branca; sou escudeiro da condessa Trifaldi, por outro nome chamada a Dona Dolorida, da parte da qual trago a vossa grandeza uma embaixada, que consiste em pedir a vossa magnificência que seja servida permitir-lhe que entre e lhe refira a sua aflição, que é uma das mais novas e mais espantosas que nunca se imaginaram; e quer primeiro saber se está neste castelo o valoroso e nunca vencido cavaleiro D. Quixote de la Mancha, em procura de quem tem vindo a pé e sem quebrar o jejum, desde o reino de Candaia até este vosso estado, coisa que se pode e deve atribuir só a milagre ou a força de encantamento; está à porta desta fortaleza ou casa de campo, e só espera para entrar o vosso beneplácito. Disse.
E logo tossiu, e começou a afagar a barba de cima para baixo com ambas as mãos, e com muito sossego esteve esperando a resposta do duque, que foi a seguinte:
— Há muitos dias já, bom escudeiro Trifaldino da barba branca, que temos notícia da desgraça da condessa Trifaldi, minha senhora, a quem os nigromantes fazem chamar a Dona Dolorida: bem podeis, estupendo escudeiro, dizer-lhe que entre, e que está aqui o valente cavaleiro D. Quixote de la Mancha, de cujo ânimo generoso pode esperar com segurança todo o amparo e todo o auxílio: e também lhe podereis dizer da minha parte que, se o meu favor lhe for necessário, lhe não há-de faltar, pois a isso me obriga o ser cavaleiro, profissão a que anda anexo o dever de favorecer toda a casta de mulheres, especialmente as donas viúvas, menoscabadas e doloridas, como deve de estar sua senhoria.