Ouvindo isto, Trifaldino dobrou o joelho até ao chão, e, fazendo ao pífaro e aos tambores sinal para que tocassem, com o mesmo som e o mesmo passo com que entrara tornou a sair do jardim, deixando todos admirados da sua presença e compostura. E, tornando o duque para D. Quixote, disse-lhe:
— Enfim, famoso cavaleiro, não podem as trevas da malícia nem da ignorância encobrir nem escurecer a luz do valor e da virtude. Digo isto, porque há seis dias apenas que vossa bondade está neste castelo, e já vos vêm procurar de longas e apartadas terras, não em carros, nem em dromedários, mas a pé e em jejum, os tristes e os aflitos, confiados em que hão-de encontrar nesse fortíssimo braço o remédio das suas aflições e dos seus trabalhos, graças às vossas grandes façanhas, cuja notícia corre por toda a terra.
— O que eu quereria, senhor duque — respondeu D. Quixote — é que estivesse aqui presente aquele bendito religioso, que no outro dia à mesa mostrou ter tão má vontade e tanto ódio aos cavaleiros andantes, para que visse com os seus olhos se os tais cavaleiros são ou não necessários no mundo: veria que os extraordinariamente aflitos e desconsolados, em casos grandes e em desditas enormes, não vão buscar o seu remédio a casa dos letrados nem a casa dos sacristães das aldeias, nem ao cavaleiro que nunca saiu da terra onde nasceu, nem ao preguiçoso cortesão, que antes busca notícias para as referir e contar do que procura praticar façanhas, para que outros as contem e as escrevam. O remédio das aflições, o socorro das necessidades, o amparo das donzelas, a consolação das viúvas, em nenhuma espécie de pessoas se encontra melhor do que nos cavaleiros andantes, e por eu ser um deles, dou por muito bem empregado qualquer desmando e qualquer trabalho que neste exercício tão honroso me possa acontecer.