Eu trocava-me por ela,
e ainda em cima dava a saia
mais vistosa que eu possuo
de áureas franjas na cambraia,
Quisera estar nos teus braços,
ou prestar-te o bom serviço
de te sacudir a caspa,
de te coçar o toutiço.
Muito peço, não sou digna
de mercê tão levantada;
dá-me os teus pés, isso basta,
nem eu desejo mais nada.
Que prendas eu te daria!
escarpins de prata fina,
umas calças de damasco,
uns calções de bombazina;
muitas pedras preciosas,
finas pér’las orientais,
que, a não terem companheiras,
não contariam iguais!
Não mires dessa Tarpéia
este incêndio que me queima,
Nero manchego, que o fogo
avivas coa tua teima.
Menina sou, virgem tenra,
quinze anos não completei;
tenho catorze e três meses,
juro pela santa lei.
Não sou manca, não sou coxa,
não tenho um só aleijão,
meus cabelos cor de lírios,
’stando em pé, chegam-me ao chão.
A boca tenho aquilina,
tenho a penca abatatada;
os dentes são uns topázios!
vê que beleza afamada!
Sou pequenina, o que importa?
A minha voz, fresca e pura,
confessa que (se me escutas)
tem suavíssima doçura.
Conquistou minha alma ingênua
teu rosto que me enamora;
sou donzela desta casa,
e chamam-me Altisidora.
Aqui deu fim o canto da malferida Altisidora e começou o assombro do requestado D. Quixote, que, dando um grande suspiro, disse entre si:
— Tenho de ser tão desditoso cavaleiro andante, que não há-de haver donzela que olhe para mim e que de mim se não namore; e tão desventurada há-de ser a simpática Dulcineia del Toboso, que a não deixem gozar tranquilamente