Quereria, pois, senhor meu, que Vossa Mercê se encarregasse de desfazer este agravo, ou com rogos, ou com armas; pois, segundo todos dizem, Vossa Mercê nasceu para desfazer agravos e amparar os míseros; e represente-lhe Vossa Mercê a orfandade da minha filha, a sua mocidade e gentileza, com as prendas que eu já disse que tem, que entendo em minha consciência que de todas as donzelas da senhora duquesa, não há nenhuma que lhe chegue às solas dos sapatos, e uma a quem chamam Altisidora, que é a que passa por mais desenvolta e galharda, não é nada em comparação da minha; porque há-de saber Vossa Mercê que nem tudo o que luz é ouro; essa Altisidorita tem mais de presumida que de formosa, e tem então um mau hálito que se não pode parar ao pé dela; e até a duquesa, minha senhora... cala-te, boca, que se costuma dizer que as paredes têm ouvidos.
— Por vida minha, o que é que tem a duquesa minha senhora? — perguntou D. Quixote.
— Pedindo-me pela sua vida que lho diga, senhor D. Quixote, não posso deixar de responder com toda a verdade. Vê Vossa Mercê a formosura da senhora duquesa, aquela tez do rosto, que lembra uma espada açacalada e tersa; aquelas duas faces de leite e de carmim, que parece que numa tem o sol e noutra a lua; aquela galhardia com que pisa e como que despreza o chão, que se diria que vai derramando saúde por onde passa? Pois saiba Vossa Mercê que o pode ela agradecer primeiro a Deus e, depois, a duas fontes que tem nas pernas, por onde se despeja todo o mau humor, de que dizem os médicos que está cheia.
— Santa Maria! — acudiu D. Quixote — é possível que a senhora duquesa tenha tais desaguadouros? Não o acreditava, nem que mo dissessem frades descalços; porém, de tais fontes, e em tais sítios, não deve manar humor, mas sim âmbar líquido.