Com isto ficou satisfeito o governador, que esperava com grande ânsia a noite e a hora de cear; e ainda que o tempo lhe parecia parado, afinal sempre chegou a ocasião tão desejada, em que lhe deram de cear um salpicão com cebola, e umas mãozinhas de vitela, que já não era criança.
Saltou nessas iguarias com mais gosto do que se lhe tivessem dado faisões de Roma, vitela de Sorrento, perdizes de Moron, ou patos de Lavajos; e, quando estava a cear, disse, voltando-se para o doutor:
— Ouvi, senhor doutor: daqui por diante escusais de me mandar dar comidas de regalo ou manjares, pois será tirar-me dos eixos o estômago, que está acostumado a cabrito, a vaca, a toucinho, a nabos e cebolas; e, se acaso lhe dão manjares palacianos, recebe-os com melindre e algumas vezes com asco. O que o mestre-sala pode fazer é trazer-me o que chamam ollas podridas, que quanto mais podres são, melhor cheiro têm, e nelas se pode ensacar e encerrar tudo o que se quiser, contanto que seja coisa de comer, que eu lho agradecerei e algum dia lho pagarei; e ninguém zombe de mim, porque, ou bem que somos, ou bem que não somos. Vivamos e comamos em paz e companhia, porque o sol brilha para todos. Eu governarei esta ilha sem fazer alicantinas, nem consenti-las; e andem todos de olho aberto, e vejam aonde mandam o virote, porque lhes faço saber que temos o diabo atrás da porta, e que, se me derem ensejo para isso, hão-de ver maravilhas. Nada, que quem se faz de mel, as moscas o comem.
— Decerto, senhor governador — disse o mestre-sala; — Vossa Mercê tem muita razão em tudo o que disse, e afianço, em nome de todos os insulanos desta ilha, que hão-de servir a Vossa Mercê com toda a pontualidade, amor e benevolência; porque o suave modo de governar, que Vossa Mercê nestes princípios tem revelado, não lhes dá lugar para fazerem nem pensarem coisa que redunde em desserviço de Vossa Mercê.