— Assim creio — respondeu Sancho — e seriam uns néscios se outra coisa fizessem ou pensassem; e torno a dizer que tenham conta no meu sustento e no do meu ruço, que é o que mais importa; e, em sendo horas, vamos lá rondar, que é minha intenção limpar esta ilha de todo o gênero de imundícies e de gente vagabunda e ociosa; porque deveis saber, meus amigos, que isto de vadios e de mandriões são na república o mesmo que os zangãos nas colmeias, que comem o mel que as abelhas trabalhadoras fabricam. Tenciono favorecer os lavradores, guardar as suas proeminências aos fidalgos, premiar os virtuosos e, sobretudo, honrar os religiosos e respeitar a religião. Que lhes parece, amigos? Digo bem, ou peço para as almas?
— Diz tão bem, senhor governador — acudiu o mestre-sala — que pasmado estou eu de que um homem tão sem letras como é Vossa Mercê, diga tais e tantas coisas, tão cheias de sentenças avisadas, tão fora de tudo que do engenho de Vossa Mercê esperavam os que nos enviaram e os que vimos aqui; cada dia se veem coisas novas no mundo: as mentiras se trocam em verdades, e os burladores são burlados.
Depois de ter ceado à farta com licença do senhor doutor Récio, o governador saiu com o mordomo, o secretário, o mestre-sala e o cronista incumbido de registrar os seus feitos, e tantos aguazis e escrivães, que podia formar com eles um verdadeiro esquadrão. Ia Sancho no meio, com a sua vara, que era o mais que se podia ver; e, depois de andarem umas poucas de ruas, sentiram ruído de cutiladas. Acudiram e encontraram dois homens que pelejavam, os quais, vendo a justiça, pararam, e um deles disse:
— Aqui de Deus, e del-rei! Pois há-de se consentir que se roube em pleno povoado, e que se seja assaltado no meio da rua?
— Sossegai, homem de bem — acudiu Sancho — e contai-me qual é a causa desta pendência, que eu sou o governador.