Suponha Vossa Mercê que me manda para a cadeia e que lá me põem a ferros, e que me metem num calabouço, e se impõem ao alcaide graves penas se me deixar sair, e que ele cumpre o que se lhe manda; com tudo isso, se eu não quiser dormir e estiver acordado toda a noite sem pregar olho, será Vossa Mercê capaz, com todo o seu poder, de me fazer dormir contra vontade?
— Isso decerto que não — observou o secretário.
— De modo — disse Sancho — que não dormes porque não queres dormir, e não para me fazer pirraça?
— Pirraça! nem por pensamentos.
— Pois ide com Deus — disse Sancho — ide dormir para vossa casa, e Deus vos dê bom sono, que eu não vo-lo quero tirar; mas aconselho-vos, que daqui por diante não brinqueis com a justiça, porque topareis algum que vos faça pagar cara a brincadeira.
Foi-se embora o moco, e o governador continuou com a sua ronda, e daí a pouco apareceram dois aguazis, que traziam um homem agarrado, e disseram:
— Senhor governador, este que parece homem não o é: é mulher, e nada feia, que anda vestida de homem.
Chegaram-lhe aos olhos duas ou três lanternas e, à sua luz, viram o rosto de uma mulher de dezasseis anos, ou pouco mais: escondidos os cabelos numa coifa de seda verde e ouro, formosa como mil pérolas. Contemplaram-na de cima até baixo e viram que trazia umas meias de seda encarnada, com ligas de tafetá branco, e franjas de ouro e aljôfar; os calções eram verdes, de tela de ouro, e uma capa da mesma fazenda, por baixo da qual vestia um gibão finíssimo de branco e ouro, e os sapatos eram brancos e de homem. Não cingia espada, mas sim uma riquíssima adaga; nos dedos muitos e magníficos anéis.
Finalmente, a moça a todos parecia bem e nenhum dos que a viram a conheceu; os naturais