Capítulo 63: CAPÍTULO LXIII - De como Sancho Pança se deu mal com a visita às galés e da nova aventura da formosa mourisca.
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fez-se grande amigo de dois tios meus, que me levavam consigo; porque meu pai, prudente e avisado, assim que saiu o primeiro bando do nosso desterro, saiu da povoação e foi procurar alguma terra nos reinos estrangeiros, aonde nos acolhêssemos. Deixou encerradas e enterradas, num sítio de que só eu tenho notícia, muitas pérolas e pedras de grande valor, com alguns dinheiros, em cruzados e dobrões de ouro. Mandou-me que não tocasse no tesouro, que deixara, se por acaso, antes dele voltar, nos desterrassem. Assim fiz e, com os meus tios e outros parentes e aliados, passamos à Berberia, e o lugar onde fizemos assento foi Argel, que é o mesmo que dizermos: no próprio inferno. Teve notícia, o dei, da minha formosura e a fama levou-lhe notícia também das minhas riquezas — o que, em parte, foi ventura para mim. Chamou-me, perguntou-me de que parte da Espanha era, e que dinheiro e que joias trazia. Disse-lhe o lugar e que as joias e dinheiro tinham ficado nele enterrados, mas que, com facilidade, se poderiam cobrar, se eu mesma voltasse a procurá-los. Tudo isto eu lhe disse, receosa de que o cegasse a minha formosura, e preferindo que o cegasse a cobiça. Estando nestas práticas, foram-lhe dizer que vinha comigo um dos mais galhardos e gentis mancebos, que se podiam imaginar. Logo percebi que falavam de D. Gaspar Gregório, cuja beleza deixa a perder de vista as maiores que se podem encarecer. Turbei-me, considerando o perigo que D. Gregório corria, porque, entre aqueles bárbaros turcos, em mais se estima um rapaz formoso do que uma mulher, ainda que seja lindíssima. Mandou logo o dei que o levassem à sua presença, para o ver, e perguntou-me se era verdade o que daquele moço lhe diziam. Eu então, como avisada pelo céu, disse-lhe que
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