Este é, senhores, o fim da minha lamentável história, tão verdadeira como desgraçada; o que vos peço é que me deixeis morrer como cristã, porque, como já disse, em nada fui participante da culpa em que os da minha nação caíram.
E logo se calou, com os olhos cheios de ternas lágrimas, chorando também muitos dos que estavam presentes. O vice-rei, terno e compassivo, sem lhe dizer palavra, chegou-se a ela e tirou-lhe, com as suas mãos, a corda que atava as formosas mãos da moura. Enquanto, pois, a cristã mourisca narrava a sua história, esteve com os olhos cravados nela um velho peregrino, que entrara na galé quando o vice-rei entrou; e, apenas a mourisca terminou, arrojou-se-lhe ele aos pés e, abraçado a eles, com palavras interrompidas por mil soluços e suspiros, disse-lhe:
— Ó Ana Félix, desditosa filha minha: sou teu pai Ricote, que voltava a procurar-te, por não poder viver sem ti, que és a minha alma.
A estas palavras abriu os olhos Sancho e levantou a cabeça, que tinha inclinada, pensando na desgraça do seu passeio; e, olhando para o peregrino, viu que era o mesmo Ricote que topou no dia em que saiu do seu governo, e reconheceu que era realmente sua filha aquela moça, que, já desamarrada, abraçava seu pai, misturando as suas lágrimas com as dele; e Ricote disse para o vicerei e para o capitão-mor:
— Esta, senhores, é minha filha, mais desgraçada pelos seus sucessos do que pelo seu nome:
chama-se Ana Félix Ricote, tão famosa pela sua formosura como pela minha riqueza; eu saí da minha pátria a procurar, em reinos estrangeiros, quem nos albergasse e recolhesse e, tendo encontrado o que buscava, na Alemanha, voltei, com este hábito de peregrino, em companhia de outros alemães, a procurar a minha filha e a desenterrar muitas riquezas que deixei escondidas.