Acabou-se a confissão, e saiu o cura dizendo:
— Deveras morre, e está deveras com siso Alonso Quijano, o Bom; e podemos entrar, para ele ditar o seu testamento.
Estas novas fizeram rebentar de novo as lágrimas dos olhos, e mil profundos suspiros dos peitos da ama, da sobrinha e de Sancho Pança, seu bom escudeiro; porque, realmente, como já se disse, D. Quixote, ou enquanto se chamou a seco Alonso Quijano, ou enquanto usou o nome de D. Quixote de la Mancha, sempre se mostrou homem de aprazível condição e de agradável trato; e por isso, não só era muito querido dos da sua casa, mas de todos quantos o conheciam.
Veio o tabelião com os outros, e depois de ter feito o cabeçalho do testamento, e depois de D. Quixote haver tratado da sua alma, com todas as circunstâncias cristãs que se requerem, quando chegou às deixas disse:
— Item, é minha vontade, que de certos dinheiros que tem em seu poder Sancho Pança, a quem na minha loucura fiz meu escudeiro, se lhe não faça cargo nem se lhe peçam contas; mas que, se sobrar algum, depois dele se ter pago do que lhe devo, com ele fique; bem pouco será, mas que lhe faça bom proveito; e se, assim como, estando eu louco, fui parte que se lhe desse o governo de uma ilha, pudesse agora, que estou em meu juízo, dar-lhe o de um reino, dar-lho-ia, porque a singeleza da sua condição e a fidelidade do seu trato assim o merecem.
E, voltando-se para Sancho, disse-lhe:
— Perdoa-me, amigo, o haver dado ocasião de pareceres doido como eu, fazendo-te cair no erro, em que eu caí, de pensar que houve e há cavaleiros andantes no mundo.
— Ai! — respondeu Sancho Pança, chorando — não morra Vossa Mercê, senhor meu amo, mas tome o meu conselho e viva muitos anos, porque a maior loucura que pode fazer um homem nesta vida é deixar-se morrer sem mais nem mais, sem ninguém nos matar, nem darem cabo de nós outras mãos que não sejam as da melancolia.