O apreço da natureza não tinha lugar entre os seus múltiplos dotes e a única variação que se permitia era desviar o espírito do criminoso urbano para ir à procura do seu irmão rural.
Verificando que Holmes estava demasiado absorvido para se dispor a conversar, larguei o jornal insonso, recostei-me e pus-me a reflectir. De súbito, a voz do meu companheiro rasgou-me os pensamentos:
- Você tem razão, Watson - disse ele. - É, de facto, a maneira mais absurda de resolver uma disputa.
- De todo absurda! - exclamei, e compreendendo, de repente, que ele dera voz à mais funda convicção no meu íntimo, endireitei-me na cadeira e fitei-o absolutamente atónito. - Como é, Holmes? Isto está para além de tudo o que eu pudesse imaginar.
Ele riu com gosto da minha perplexidade.
- Lembra-se com certeza - disse - de que, há tempos, quando lhe li aquele passo de um dos textos de Poe no qual um atento espírito dedutivo segue os pensamentos mudos do companheiro, você achou a coisa um mero tour-de-force do autor. E quando eu disse que tinha o hábito de estar sempre a fazer a mesma coisa, você mostrou incredulidade.
- Oh, não!
- Talvez não com a boca, meu caro Watson, mas sem dúvida com o sobrolho. Ora, quando o vi largar o jornal e pôr-se a pensar, fiquei muito feliz com a oportunidade de ler o que pensava e de lhe provar que estava em comunicação consigo, intervindo no curso das suas ideias.
Não me dei por satisfeito.
- No exemplo que me leu - disse-lhe -, o tal espírito dedutivo extraía as suas conclusões dos actos do homem que observava. Se bem me lembro, o homem tropeçou num monte de pedras, olhou as estrelas e por aí fora, Ora eu tenho estado aqui sentado muito quieto; que pistas lhe posso ter dado?
- Não seja injusto consigo próprio.