O ar estava pesado devido aos odores químicos, onde predominava o do álcool de queima. Por outro lado, a decoração nada tinha de sedativa. A fila de bocais onde nadavam vestígios de doenças e de sofrimentos estava mesmo à minha frente. Não havia persianas na janela, nem gelosia; uma Lua três quartos cheia vazava a sua luz pálida na sala e traçava na parede oposta um quadrado prateado onde se entrecruzavam losangos. Quando apaguei a vela, esta única mancha clara na escuridão assumiu logo um aspecto misterioso e perturbador. Um silêncio total reinava em toda a velha casa; o sussurro leve das ramagens do jardim alcançava-me suavemente os ouvidos. Foi o embalo deste sussurro contínuo? Ou a fadiga do dia? Bem lutei para conservar às minhas percepções toda a sua nitidez, mas adormeci com um sono pesado como chumbo.
Um ruído no laboratório despertou-me. Instantaneamente apoiei-me num cotovelo. Deviam ter-se escoado algumas horas, porque a mancha quadrada na parede tinha deslizado de viés para baixo e encontrava-se agora junto do meu canapé. O resto da sala achava-se mergulhado nas trevas. Ao princípio, nada consegui distinguir; depois, com os olhos acostumados à escuridão, apercebi-me, com um arrepio que os meus hábitos científicos foram impotentes para reprimir, de que qualquer coisa se deslocava lentamente ao longo da parede. O meu ouvido exacerbado registou um leve ruído abafado, o ruído que teriam feito pantufas a arrastar pelo chão; e distingui confusamente uma silhueta humana que deslizava furtivamente; provinha da direcção da porta; emergiu na parte iluminada pela Lua, e vi-a realmente. Tratava-se de um homem, baixo e atarracado, vestido com uma espécie de roupão cinzento escuro que caía a direito dos ombros aos pés.