Amor de Perdição - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 56 / 145

– Assim ela quisesse. Maridos não lhe faltam; até o alferes da casa da Igreja a queria, se eu lhe fizesse doação de tudo, que pouco é, mas ainda vale quatro mil cruzados bons; o caso é que a moça não tem querido casar, e eu, a falar verdade, sou só e mais ela, e também não tenho grande vontade de ficar sem esta companhia, para quem trabalho como um moiro. Se não fosse ela, fidalgo, muita asneira tinha eu feito! Quando vou às feiras ou romarias, se a levo comigo, não bato, nem apanho; indo sozinho, é desordem certa. A rapariga já conhece quando a pinga me sobe ao capacete do alambique; puxa-me pela jaqueta, e por bons modos põe-me fora do arraial. Se alguém me chama para beber mais um quartilho, ela não me deixa ir, e eu acho graça à obediência com que me deixo guiar pela moça, que me pede que não vá por alma da mãe. Eu cá, em ela me pedindo por alma da minha santa mulher, já não sei de que freguesia sou.

Mariana ouvia o pai escondendo meio rosto no seu alvíssimo avental de linho. Simão estava-se gozando na simpleza daquele quadro rústico, mas sublime de naturalidade.

João da Cruz foi chamado para ferrar um cavalo, e despediu-se nestes termos:

– Tenho dito, rapariga; aqui te entrego o nosso doente; trata-o como quem é, e como se fosse teu irmão ou marido. O rosto de Mariana acerejou-se quando aquela última palavra saiu, natural como todas, da boca de seu pai.

A moça ficou encostada ao batente da alcova de Simão.

– Não foi nada boa esta praga que lhe caiu em casa, Mariana! – disse o académico. – Fazerem-na enfermeira dum doente, e privarem-na talvez de ir costurar na sua varanda, e conversar com as pessoas que passam…

– Que se me dá a mim disso? – respondeu ela, sacudindo o avental, e baixando o cós ao lugar da cintura com infantil graça.

– Sente-se, Mariana; seu pai disse-lhe que se sentasse… Vá buscar a sua costura, e dê-me dali uma folha de papel e um lápis que está na carteira.

– Mas o pai também me disse que o não deixasse escrever… – respondeu ela, sorrindo.

– Pouco, não faz mal. Eu escrevo apenas algumas linhas.





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