Amor de Perdição - Cap. 11: Capítulo 11 Pág. 74 / 145

Deixe-a ir com Deus ou com a breca, que ela, se tiver de ser sua, à mão lhe há-de vir dar, tanto faz andar para trás como para diante, é ditado dos antigos. Olhe que isto não é medo, fidalgo; tome sentido, que João da Cruz sabe o que é pôr dois homens de uma feita a olhar o Sete-Estrelo, mas não sabe o que é medo. Se o senhor quer sair à estrada e tirar a tal pessoa ao pai, ao primo, e a um regimento, se for necessário, eu vou montar na égua, e daqui a três horas estou de volta com quatro homens, que são quatro dragões.

Simão fitava os olhos chamejantes nos do ferrador, e Mariana exclamara, ajuntando as mãos sobre o seio:

– Meu pai, não lhe dê esses conselhos!…

– Cala-te aí, rapariga! – disse mestre João. – Vai tirar o albardão à égua, amanta-a, bota-lhe seco. Não és aqui chamada.

– Não vá aflita, senhora Mariana – disse Simão à moça, que se retirava amargurada. – Eu não aproveito algum dos conselhos de seu pai. Ouço-o com boa vontade, porque sei que quer o meu bem; mas hei-de fazer o que a honra e o coração me aconselharem.

Ao anoitecer, Simão, como estivesse sozinho, escreveu uma longa carta, da qual extractamos os seguintes períodos: «Considero-te perdida, Teresa. O sol de amanhã pode ser que eu

o não veja. Tudo, em volta de mim, tem uma cor de morte. Parece que o frio da minha sepultura me está passando o sangue e os ossos.

Não posso ser o que tu querias que eu fosse. A minha paixão não se conforma com a desgraça. Eras a minha vida: tinha a certeza de que as contrariedades me não privavam de ti. Só o receio de perder-te me mata. O que me resta do passado é a coragem de ir buscar uma morte digna de mim e de ti. Se tens força para uma agonia lenta, eu não posso com ela.

Poderia viver com a paixão infeliz; mas este rancor sem vingança é um inferno. Não hei-de dar barata a vida, não. Ficarás sem mim, Teresa; mas não haverá aí um infame que te persiga depois da minha morte. Tenho ciúmes de todas as tuas horas. Hás-de pensar com muita saudade no teu esposo do Céu, e nunca tirarás de mim os olhos da tua alma para veres ao pé de ti o miserável que nos matou a realidade de tantas esperanças formosas.





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