Tu verás esta carta quando eu estiver num outro mundo, esperando as orações das tuas lágrimas. As orações! Admiro-me desta faísca de fé que me alumia nas minhas trevas!… Tu deras-me com o amor a religião, Teresa. Ainda creio; não se apaga a luz que é tua; mas a providência divina desamparou-me.
Lembra-te de mim. Vive, para explicares ao mundo, com a tua lealdade a uma sombra, a razão por que me atraíste a um abismo. Escutarás com glória a voz do mundo, dizendo que eras digna de mim.
À hora em que leres esta carta…»
Não o deixaram continuar as lágrimas, nem depois a presença de Mariana. Vinha ela pôr a mesa para a ceia, e, quando desdobrava a toalha, disse em voz abafada, como se a si mesma somente o dissesse:
– É a última vez que ponho a mesa ao senhor Simão em minha casa!
– Porque diz isso, Mariana?
– Porque mo diz o coração.
Desta vez, o académico ponderou supersticiosamente os ditames do coração da moça, e com o silêncio meditativo deu-lhe a ela a evidência antecipada do vaticínio.
Quando voltou com a travessa da galinha, vinha chorando a filha de João da Cruz.
– Chora com pena de mim, Mariana? – disse Simão enternecido.
– Choro, porque me parece que o não tornarei a ver; ou, se o vir, será de modo que oxalá que eu morresse antes de o ver.
– Não será, talvez, assim, minha amiga…
– Vossa senhoria não me faz uma coisa que eu lhe peço?…
– Veremos o que pede, menina.
– Não saia esta noite, nem amanhã.
– Pede o impossível, Mariana. Hei-de sair, porque me mataria, se não saísse.
– Então perdoe a minha ousadia. Deus o tenha da Sua mão.
A rapariga foi contar ao pai as intenções do académico. Acudiu logo mestre João combatendo a ideia da saída, com encarecer os perigos do ferimento. Depois, como não conseguisse dissuadi-lo, resolveu acompanhá-lo. Simão agradeceu a companhia, mas rejeitou-a com decisão. O ferrador não cedia do propósito, e estava já preparando a clavina, e arraçoando com medida dobrada a égua – para o que desse e viesse – dizia ele, quando o estudante lhe disse que, melhor avisado, resolvera não ir a Viseu, e seguir Teresa ao Porto, passados os dias da convalescença.