Às onze horas da noite, ergueu-se o académico e escutou o movimento interior da casa: não ouviu o mais ligeiro ruído, a não ser o rangido da égua na manjedoura. Escorvou de pólvora nova as duas pistolas. Escreveu um bilhete sobrescrito a João da Cruz, e ajuntou-o à carta que escrevera a Teresa. Abriu as portadas da janela do seu quarto, e passou dali para a varanda de pau, da qual o salto à estrada era sem risco. Saltou, e tinha dado alguns passos, quando a fresta lateral à porta da varanda se abriu, e a voz de Mariana lhe disse:
– Então adeus, senhor Simão. Eu fico pedindo a Nossa Senhora que vá na sua companhia.
O académico parou, e ouviu a voz íntima que lhe dizia: – «O teu anjo da guarda fala pela boca daquela mulher, que não tem mais inteligência que a do coração, alumiada pelo seu amor».
– Dê um abraço em seu pai, Mariana – disse-lhe Simão – e adeus… até logo, ou…
– Até ao Juízo Final… – atalhou ela.
– O destino há-de cumprir-se… Seja o que o Céu quiser.
Tinha Simão desaparecido nas trevas, quando Mariana acendeu a lâmpada do santuário, e ajoelhou orando com o fervor das lágrimas.
Era uma hora, e estava Simão defronte do convento, contemplando uma a uma as janelas. Em nenhuma vira o clarão de luz; luz, só a do lampadário do Sacramento se coava baça e pálida na vidraça duma fresta do templo. Sentou-se nas escaleiras da igreja, e ouviu, ali, imóvel, as quatro horas. Das mil visões que lhe relancearam no atribulado espírito, a que mais a miúdo se repetia era a de Mariana suplicante, com as mãos postas; mas, ao mesmo tempo, cria ele ouvir os gemidos de Teresa, torturada pela saudade, pedindo ao Céu que a salvasse das mãos de seus algozes. O vulto de Tadeu de Albuquerque, arrastando a filha a um convento, não lhe afogueava a sede da vingança; mas cada vez que lhe acudia à mente a imagem odiosa de Baltasar Coutinho, instintivamente as mãos do académico se asseguravam da posse das pistolas.