As Viagens de Gulliver - Cap. 4: Capítulo II Pág. 167 / 339

Disse-me que lhe havia chamado muito a atenção ouvir-me falar tão alto e perguntou-me se o rei ou a rainha daquele país eram duros de ouvido. Respondi-lhe que me acostumara a isso nos últimos anos e que a voz deles e a dos seus homens também me tinham chocado pois, apesar de os ouvir bastante bem, parecia estarem a murmurar. No país de onde saíra, falava num tom idêntico ao de um homem que, da rua, gritasse para outro no alto de um campanário, a menos que me tivessem colocado sobre uma mesa ou na mão de alguém. Disse-lhe igualmente que, quando entrei pela primeira vez no barco e todos os marinheiros me rodearam, pareceram-me criaturas pequenas e insignificantes. De resto, enquanto estivera nas terras daquele príncipe, sem nunca ter-me visto a um espelho, os olhos habituaram-se a objectos tão grandes que, ao comparar-me, aparecia a mim mesmo como um ser insignificante. O comandante observou que, enquanto jantávamos, eu olhava para tudo com espanto e que, às vezes, lhe parecia que eu mal podia conter o riso, e não sabia se isso se devia a qualquer desarranjo cerebral ou a outro motivo. Respondi-lhe que não se equivocara e que eu próprio me espantava por não desatar a rir ao ver os pratos do tamanho de uma pequena moeda, um pernil de porco que me parecia um pedacinho, uma chávena mais pequena que uma casca de noz. E prossegui relatando as impressões que me causavam os talheres e os alimentos. Pois embora a rainha, enquanto estive ao seu serviço, tivesse destinado para mim todos os utensílios de que necessitava em formato reduzido, achava-me mentalmente imbuído por tudo o que me rodeava e procurava ignorar a minha pequenez, como as pessoas o fazem em relação aos seus próprios defeitos.





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