Amor de Perdição - Cap. 19: Capítulo 19 Pág. 123 / 145

Mariana, decorridos dias, foi a Viseu recolher a herança paterna. Em proporção com o seu nascimento, bem dotada a deixara o laborioso ferrador. Afora os campos, cujo rendimento bastaria para a sustentação dela, Mariana levantou a laje conhecida da lareira, e achou os quatrocentos mil réis com que João da Cruz contava para alimentar as regalias de sua decrepitude inerte. Vendeu Mariana as terras e deixou a casa a sua tia, que nascera nela, e onde seu pai casara.

Liquidada a herança, tornou para o Porto, e depositou o seu cabedal nas mãos de Simão Botelho, dizendo que receava ser roubada na casinha em que vivia, fronteira à Relação, na Rua de S. Bento.

– Porque vendeu as suas terras, Mariana? – perguntou o preso.

– Vendi-as, porque não faço tenção de lá voltar.

– Não faz?… Para onde há-de ir, Mariana, indo eu degredado? Fica no Porto?

– Não, senhor, não fico – balbuciou ela como admirada desta pergunta, à qual o seu coração julgava ter respondido há muito.

– Pois então?!

– Vou para o degredo, se vossa senhoria me quiser na sua companhia.

Fingindo-se surpreendido, Simão seria ridículo aos seus próprios olhos.

– Esperava essa resposta, Mariana, e sabia que me não dava outra. Mas sabe o que é o degredo, minha amiga?

– Tenho ouvido dizer muitas vezes o que é, senhor Simão… É uma terra mais quente que a nossa; mas também há lá pão, vive-se.

– E morre-se abrasado ao sol doentio daquele céu, morre-se de saudades da pátria, morre-se muitas vezes dos maus tratos dos governadores das galés, que têm um condenado na conta de fera.

– Não há-de ser tanto assim. Eu tenho perguntado muito por isso à mulher dum preso que cumpriu dez anos de sentença na Índia, e viveu muito bem em uma terra chamada Solor, onde teve uma tenda; e, se não fossem as saudades, diz ela que não vinha, porque lhe corria por lá melhor a vida que por cá. Eu, se for por vontade do senhor Simão, vou pôr uma lojinha também. Verá como eu amanho a vida. Afeita ao calor estou eu; vossa senhoria não está; mas não há-de ter precisão, se Deus quiser, de andar ao tempo.





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