– E suponha, Mariana, que eu morro apenas chegar ao degredo?
– Não falemos nisso, senhor Simão…
– Falemos, minha amiga, porque eu hei-de sentir à hora da morte, a pesar-me na alma, a responsabilidade do seu destino… Se eu morrer?
– Se o senhor morrer, eu saberei morrer também.
– Ninguém morre quando quer, Mariana…
– Oh! se morre!… e vive também quando quer… Não mo disse já a senhora D. Teresa?
– Que lhe disse ela?
– Que estava a passar quando vossa senhoria chegou ao Porto, e que a sua chegada lhe dera vida. Pois há muita gente assim, senhor Simão… E mais a fidalga é fraquinha, e eu sou mulher do campo, vezada a todos os trabalhos; e, se fosse preciso meter uma lanceta no braço e deixar correr o sangue até morrer, fazia-o como quem o diz.
– Oiça-me, Mariana: que espera de mim?
– Que hei-de eu esperar!… Porque me diz isso o senhor Simão?
– Os sacrifícios que Mariana tem feito e quer fazer por mim só podiam ter uma paga, embora mos não faça esperando recompensa. Abre-me o seu coração, Mariana?
– Que quer que eu lhe diga?
– Conhece a minha vida tão bem como eu, não é verdade?
– Conheço, e que tem isso?
– Sabe que eu estou ligado pela vida e pela morte àquela desgraçada senhora?
– E daí? Quem lhe diz menos disso?!
– Os sentimentos do coração só os posso agradecer com amizade.
– E eu já lhe pedi mais alguma coisa, senhor Simão?!
– Não me pediu, Mariana; mas obriga-me tanto, que me faz mais infeliz o peso da obrigação. Mariana não respondeu; chorou.
– E porque chora? – tornou Simão carinhosamente.
– Isso é ingratidão… e eu não mereço que me diga que o faço infeliz.
– Não me compreendeu… Sou infeliz por não poder fazê-la minha mulher. Eu queria que Mariana pudesse dizer: «Sacrifiquei--me por meu marido; no dia em que o vi ferido em casa de meu pai, velei as noites a seu lado; quando a desgraça o encerrou entre ferros, dei-lhe o pão que nem seus ricos pais lhe davam; quando o vi sentenciado à forca, endoideci; quando a luz da minha razão me tornou num raio de compaixão divina, corri ao segundo cárcere, alimentei-o, vesti-o, e adornei-lhe as paredes nuas do seu antro; quando o desterraram, acompanhei-o, fiz-me a pátria daquele pobre coração, trabalhei à luz do sol homicida para ele se resguardar do clima, do trabalho, e do desamparo, que o matariam…»