Este edificante discurso de caridade foi interrompido pela madre escrivã, que vinha, palitando os dentes, pedir à prelada um copinho de certo vinho estomacal com que todas as noites era brindada.
– Estava eu a dizer a esta menina as peças que são a organista e a mestra – disse a prioresa.
– Oh! são para o que eu lhe prestar! Lá foram ambas para a cela da porteira. A esta hora está a menina a ser cortada por aquelas línguas, que não perdoam a ninguém.
– Vais tu ver se ouves alguma coisa, minha flor? – disse a prelada.
A escrivã, contente da missão, foi imperceptivelmente ao longo dos dormitórios até parar a uma porta que não vedava o ruído estridente das risadas.
No entanto, dizia a prelada a Teresa:
– Esta escrivã não é má rapariga: só tem o defeito de se tomar da pingoleta; depois, não há quem a ature. Tem uma boa tença, mas gasta tudo em vinho, e tem ocasiões de entrar no coro a fazer ss, que é mesmo uma desgraça. Não tem outro defeito; é uma alma lavada, e amiga da sua amiga. É verdade que, às vezes… (aqui a prelada ergueu-se a escutar nos dormitórios, e fechou por dentro a porta) é verdade que, às vezes, quando anda azoratada, dá por paus e por pedras e descobre os defeitos das suas amigas. A mim já ela me assacou um aleive, dizendo que eu, quando saía a ares, não ia só a ares, e andava por lá a fazer o que fazem as outras. Forte pouca-vergonha! Lá que outra falasse, vá; mas ela, que tem sempre uns namorados pandilhas que bebem com ela na grade, isso lá me custa; mas, enfim, não há ninguém perfeito!… Boa rapariga é ela… se não fosse aquele maldito vício…
Como tocasse ao coro nesta ocasião, a veneranda prioresa bebeu o segundo cálice do vinho estomacal, e disse a Teresa que a esperasse um quarto de hora, que ela ia ao coro, e pouco se demoraria. Tinha ela saído, quando a escrivã entrou a tempo que Teresa, com as mãos abertas sobre a face, dizia em si: «Um convento, meu Deus! Isto é que é um convento?!»
– Está sozinha? – disse a escrivã.