Enfim, Deus fará o que for servido. Eu vou à cozinha buscar a ceia da menina e volto já. Aqui a deixo com a senhora madre organista, que é uma pomba, e com a nossa mestra de noviças, que sabe dizer melhor que eu o que é a virtude nestas santas casas.
Apenas a prioresa voltou costas, disse a organista à mestra de noviças:
– Que impostora!
– E que estúpida! – acudiu a outra. – A menina não se fie nesta trapalhona, e veja se seu pai lhe dá outra companhia enquanto cá estiver, que a prioresa é a maior intriguista do convento. Depois que fez sessenta anos, fala das paixões do mundo como quem as conhece por dentro e por fora. Enquanto foi nova, era a freira que mais escândalos dava na casa; depois de velha era a mais ridícula, porque ainda queria amar e ser amada; agora, que está decrépita, anda sempre este mostrengo a fazer missões e a curar indigestões.
Teresa, apesar da sua dor, não pôde reprimir uma risada, lembrando-se da vida de Deus com os anjos que as esposas do Senhor ali viviam, no dizer da madre prioresa.
Pouco depois, entrou a prelada com a ceia, e saíram as duas freiras.
– Que lhe pareceram as duas religiosas que ficaram com a menina? – disse ela a Teresa.
– Pareceram-me muito bem.
A velha distendeu os beiços matizados de meandros de esturrinho líquido, e regougou:
– Hum!… está feito, está feito!… Ainda não são das piores; mas, se fossem melhores, não se perdia nada… Ora vamos a isto, menina; aqui tem duas pernas de galinha, e um caldo que o podem comer os anjos.
– Eu não como nada, minha senhora – disse Teresa.
– Ora essa! não come nada!? Há-de comer; sem comer ninguém resiste. Paixões... que as leve o porco-sujo!… As mulheres é que ficam logradas, e eles não têm que perder!… Que eu, cá de mim, até ao presente, Deus louvado, não sei o que sejam paixões; mas quem tem cinquenta e cinco anos de convento tem muita experiência do que vê penar às outras doidivanas. E, para não ir mais longe, estas duas que daqui saíram têm pagado bem o seu tributo à asneira, Deus me perdoe se peco.