Amor de Perdição - Cap. 11: Capítulo 11 Pág. 72 / 145

A reclusa leu convulsiva a carta duas vezes, e disse:

– Eu não posso escrever-lhe, que me roubaram o meu tinteiro, e ninguém me empresta um. Diga-lhe que vou de madrugada para o convento de Monchique, do Porto. Que não se aflija, porque eu sou sempre a mesma. Que não venha cá, porque isso seria inútil, e muito perigoso. Que vá ver-me ao Porto, que hei-de arranjar modo de lhe falar. Diga-lhe isto, sim?

– Sim, minha senhora.

– Não se esqueça, não? Vir cá, por modo nenhum. É impossível fugir, e vou muito acompanhada. Vai o primo Baltasar e as minhas primas, e meu pai, e não sei quantos criados de bagagem e das liteiras. Tirar-me no caminho é uma loucura com resultados funestos. Diga-lhe tudo, sim?

Joaquina disse fora da porta:

– Menina, olhe que a prioresa anda lá por dentro a procurá-la.

– Adeus, adeus – disse Teresa, sobressaltada. – Tome lá esta lembrança como prova da minha gratidão. E tirou do dedo um anel de ouro, que ofereceu a Mariana.

– Não aceito, minha senhora.

– Porque não aceita?

– Porque não fiz algum favor a Vossa Excelência. A receber alguma paga há-de ser de quem me cá mandou. Fique com Deus, minha senhora, e oxalá que seja feliz.

Saiu Teresa, e Joaquina entrou na grade.

– Já te vais embora, Mariana?

– Vou, que é pressa; um dia virei conversar contigo muito. Adeus, Joaquina.

– Pois não me contas o que isto é? O amor da fidalga está perto daqui? Conta, que eu não digo nada, rapariga!…

– Outra vez, outra vez; obrigada, Joaquininha.

Mariana, durante a veloz caminhada, foi repetindo o recado da fidalga; e, se alguma vez se distraía deste exercício de memória, era para pensar nas feições da amada do seu hóspede, e dizer, como em segredo, ao seu coração: «Não lhe bastava ser fidalga e rica: é, além de tudo, linda como nunca vi outra!» E o coração da pobre moça, avergando ao que a consciência lhe ia dizendo, chorava.

Simão, de uma fresta do postigo do seu quarto, espreitava ao longo do caminho, ou escutava a estropeada da cavalgadura.

Ao descobrir Mariana, desceu ao quinteiro, desprezando cautelas e esquecido já do ferimento, cuja crise de perigo piorara naquele dia, que era o oitavo depois do tiro.





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