***
NOTA
Perdoe-me a memória de Silvestre. A calúnia, conquanto escrita em palavras cultas e penteadas, é sempre calúnia. Elegâncias da linguagem, por mais que valham na retórica, valem nada para o desconceito de quem injustamente difamam. O jornalismo do Porto teve e tem admiráveis e valentes mentenedores da honra contra classes poderosas pela infâmia nobilitada. A conta de muitos poderia escrever-se o que o finado Silvestre disse de um, nestes termos, que trasladamos dos seus manuscritos:
Havia aí uma forte alma e audaciosa inteligência, que levou a mão à máscara de alguns para lhes estampar o ferrete na testa.
O jornal honroso, que a tanto ousara, expirou à míngua de subscritores, porque os afrontados por ele iam, de porta em porta, mandar uns e pedir a outros que retratassem as moedas de cobre à receita do escritor, que as não queria para si.
O heróico rapaz, rodeado de inimigos até ameaçado na vida, cruzou os braços, descorçoado, e disse: “É impossível! Cuidei que teria por mim os incorruptos; mas a peste não respeitou consciência alguma.”
Num país em que o Governo atalaiasse os interesses do Estado, e o renome honrado da cidade, aquele jornal seria sustentado a expensas do tesouro; aquele jornalista seria acrescentado em bens e honras; aqueles réprobos, indigitados pelo órgão da voz pública - que é sempre a voz dos fracos e dos inermes -, seriam pelo seu mesmo decoro e dos poderes que os nobilitariam, obrigados a refutarem a detração ou a despirem nas praças os arminhos com que escondem o pescoço à corda de esparto.