CAPÍTULO II - PÁGINAS SÉRIAS DA MINHA VIDA Vi no baile do barão de Bouças as três herdeiras mais ricas da sociedade portuense. Das três , a mais velha e rica era viúva e regularmente feia. A mais nova tinha uns longes sedutores: mas, examinada ao pé, era uma cara sem vida, coisa muito parecida com a alvura de leite, encarnada nas maçãs do rosto, como as bonecas de olhos de vidro, e beiços purpurinos de malagueta. A terceira era uma verdadeira mulher, trigueira como as predilectas de toda a gente.
Consultei a minha cabeça, e a cabeça me disse que requestasse a viúva. Senti que o coração punha embargos; mas a veleidade foi de momentos. Caiu-lhe em cima a cabeça com todo peso da razão; e o pobrezinho, que já não servia para mais que centro das funções sanguíneas, gemeu, contorceu-se e amuou.
À roda da viúva giravam os mais graúdos paraltas do Porto, sujeitos que andavam sempre de esporas e que se frisavam todas as manhãs para irem passar as tardes em casa do seu alfaiate, discutindo as belezas de uma lapela de fraque e a lista mais ou menos enflorada das pantalonas.
Eram estes os terríveis açambarcadores das almas das senhoras do Porto; mas com almas se comentavam, como convinha a pessoas puramente espirituais.
Pedi que me apresentassem à viúva. O elegante de quem solicitei este favor, antes de me apresentar, disse-me:
- Fala-lhe de mim, a ver o que ela te diz.
- Vê-se que a amas... - atalhei eu.
- Amo deveras; mas não lhe amo a fortuna.
- A fortuna é galicismo - interrompi com azedume. - Diz antes os haveres. Morra o homem de paixão, sendo necessário, mas salve-se a língua dos Lucenas, dos Sousas e dos Bernardes.
Este meu amigo incorrecto foi depois dizer a outro que eu era tolo. A ignorância é muito atrevida!
Falei com D.