Uma Praga Rogada nas Escadas da Forca - Cap. 9: VIII Pág. 12 / 29

VIII

Lucena correu a casa com os olhos injectados de fogo. Precisava duma vítima! Encontrou no caminho João Leite, mas este não podia justificadamente ser sua vítima. João Leite mostra-lhe a carta que recebera de Eulália. Isto foi exacerbá-lo. "Não se lhe dê de ser repelido por essa infame - lhe disse ele. - Eu vou provar-lhe que sou pai!... Essa mulher amava um escudeiro... um lacaio... um enjeitado..."

Entrando em casa, procurou o "enjeitado". Encontrou-o ainda estupidamente absorvido na meditação daquela carta. A entrada rápida que fez no quarto não deu tempo a que Bernardo escondesse a carta que tinha aberta nas mãos trémulas. Lucena arrancou-lha com uma convulsão de raiva superior à fúria dum demente. Passou-a pelos olhos, e, sem articular um som, lançou mão duma cadeira, e, à segunda pancada, Bernardo tinha a face coberta de sangue. Era um sangue inocente que reclamava justiça. Era um sangue inocente que pedia a intervenção de Deus. A justiça, filha legítima do céu, virá mais tarde salpicar daquele sangue a face de quem o derramava.

Bernardo, ferido, e pisado de sucessivas pancadas, não pronunciara uma só palavra durante este infernal martírio. Impelido por pontapés, foi lançado fora da porta do quarto. As forças faltaram-lhe. O sangue corria a jorros. Esvaiu-se a cabeça, e caiu.

O fidalgo chamou dois criados, e mandou pôr aquele homem fora da porta. Era ao anoitecer. O enjeitado foi arremessado à rua. Quando recuperou os sentidos, achou-se frio. Ergueu-se. Olhou com os olhos da alma para a sua consciência, e sentiu pela primeira vez vontade de sorrir da sua desgraça pelos lábios molhados de fel.

E riu-se. Era um sorriso semelhante ao dos anjos. As almas que podem sorrir assim são as que Deus elege para a santidade da bem-aventurança.





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