Aos passos de Amaro o cônego abriu muito devagar os olhos, rosnou:
- Ia adormecendo, hem!
- É cedo, disse o padre Amaro. Ainda não tocou a recolher. Então que preguiça é essa?
- Ah! é você? disse o cônego com um enorme bocejo. Cheguei tarde de casa do abade, tomei uma gota de chá, veio o quebranto... Então que é feito?
- Vim por aqui.
- Pois o abade deu-nos um rico jantar. A cabidela estava de mão- cheia! Eu carreguei-me um bocado, disse o cônego rufando com os dedos na capa do Breviário.
Amaro, sentado ao pé dele, remexia devagar o brasido:
- Sabe você, padre-mestre? disse ele de repente. Ia acrescentar: - Aconteceu-me um caso! - Mas reteve-se, murmurou: - Estou hoje esquisito; tenho andado ultimamente fora dos eixos...
- Você, com efeito, anda amarelo, disse o cônego, considerando-o. Purgue-se, homem!
Amaro esteve um momento calado, a olhar o lume.
- Sabe? estou com ideia de mudar de casa.
O cônego ergueu a cabeça, arregalou os olhinhos sonolentos:
- Mudar de casa! Ora essa! por quê?
O padre Amaro chegou a cadeira para ele, e falando baixo:
- Você percebe... Tenho estado a pensar, é assim esquisito estar em casa de duas mulheres, com uma rapariga...
- Ora, histórias! Que me vem você contar? Você é hóspede... Deixe- se disso, homem! É como quem está na hospedaria.
- Não, não, padre-mestre, eu cá me entendo...
E suspirou; desejava que o cônego o interrogasse, facilitasse as confidências.