- Então só hoje é que pensa nisso, Amaro?!
- É verdade, tenho estado a pensar hoje nisto. Tenho as minhas razões. - Ia a dizer: - Fiz uma tolice, - mas acanhou-se.
O cônego olhou para ele um momento:
- Homem! seja franco!
- Sou.
- Você acha aquilo caro?
- Não! disse o outro com uma negação impaciente.
- Bem, então é outra coisa...
- É. Você que quer? - E num tom magano, com que julgou agradar ao cônego: - A gente também gosta do que é bom...
- Bem, bem, disse o cônego rindo, percebo. Você, como eu sou amigo da casa, quer-me dizer por bons modos que tem nojo de tudo aquilo!
- Tolice! disse Amaro, erguendo-se, irritado de tanta obtusidade.
- Oh, homem! exclamou o cônego abrindo os braços. Você quer sair da casa? Por alguma é! Ora a mim parece-me que melhor...
- É verdade, é verdade, dizia Amaro que dava agora grandes passadas pela sala. Mas estou com esta ferrada! Veja você se me arranja uma casita barata com alguma mobília... Você entende melhor dessas coisas...
O cônego ficou calado, muito enterrado na poltrona, coçando devagar o queixo.
- Uma casita barata, rosnou por fim. Eu verei, eu verei... talvez.
- Você compreende, acudiu vivamente Amaro, chegando-se ao cônego. A casa da S. Joaneira...
Mas a porta rangeu, D. Josefa Dias entrou: e depois de conversarem sobre o jantar do abade, o catarro da pobre D. Maria da Assunção, a doença de fígado que ia minando o engraçado cônego Sanches - Amaro saiu, quase contente agora de se não "ter desabotoado com o padre-mestre".
O cônego ficou ainda ao pé do lume, ruminando. Aquela resolução de Amaro de deixar a casa da S. Joaneira era bem-vinda: quando ele o trouxera de hóspede para a Rua da Misericórdia, combinara com a S. Joaneira diminuir-lhe a mesada que havia anos lhe dava, regularmente, no dia 30.