O Crime do Padre Amaro - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 130 / 478

E passeava pelo quarto com passadas de côvado, estendendo os braços, desejando a posse imediata do seu corpo: sentia um orgulho prodigioso: ia defronte ao espelho altear a arca do peito, como se o mundo fosse um pedestal expresso que só o sustentasse a ele! Mal pôde jantar. Com que impaciência desejava a noite! A tarde clareava; a cada momento tirava o seu ''cebolão'' de prata, indo olhar à janela, com irritação, a claridade do dia que se arrastava devagar no horizonte. Engraxou ele mesmo os seus sapatos, lustrou o cabelo de banha. E antes de sair rezou cuidadosamente o seu Breviário - porque, em presença daquele amor adquirido, viera-lhe um susto supersticioso que Deus ou os santos escandalizados o viessem perturbar; e não queria, com desleixos de devoção, dar-lhes razão de queixa.

Ao entrar na rua de Amélia o coração bateu-lhe tão forte que teve de parar, sufocado; pareceu-lhe melodioso o piar das corujas na velha Misericórdia, que há tantas semanas não ouvia.

Que admiração quando ela apareceu na sala de jantar!

- Ditosos olhos que o vêem! Pensávamos que tinha morrido! Grande milagre!

Estavam a Sra. D. Maria da Assunção, e as Gansosos. Arredaram as cadeiras com entusiasmo para lhe dar lugar, admirá-lo.

- Então que tem feito, que tem feito? E olhe que está mais magro!

O Libaninho, no meio da sala, imitava foguetes subindo ao ar. O Sr. Artur Couceiro improvisou-lhe um fadinho à viola:

Ora já cá temos o senhor pároco

Nos chás da S. Joaneira.

Isto já parece outra coisa,

Volta a bela cavaqueira!

Houve palmas. E a S. Joaneira, toda banhada de riso.

- Ai, tem sido uma ingratidão dele!

- Uma ingratidão, diz a senhora? rosnou o cônego. Uma casmurrice, digo eu!





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