Amélia não falava, com as faces abrasadas, os olhos húmidos pasmados para o padre Amaro - a quem tinham dado a poltrona do cônego, e que se repoltreava nela, thúmido de gozo, fazendo rir as senhoras pelas pilhérias com que contava os desleixos da Vicência.
João Eduardo, isolado a um canto, ia folheando o velho álbum.
* * *
Assim recomeçou a intimidade de Amaro na Rua da Misericórdia. Jantava cedo, depois lia o seu Breviário; e apenas na igreja batiam as sete horas, embrulhava-se no seu capote e dava volta pela Praça passando rente da botica, onde os frequentadores caturravam, com as mãos moles apoiadas ao cabo dos guarda-chuvas. Mal avistava a janela da sala de jantar alumiada, todos os seus desejos se erguiam; mas ao toque agudo da campainha sentia às vezes um susto indefinido de achar a mãe já desconfiada ou Amélia mais fria!... Mesmo por superstição entrava sempre com o pé direito.
Encontrava já as Gansosos, a D. Josefa Dias; e o cônego, que jantava agora muito com a S. Joaneira e que àquela hora, estirado na poltrona, findava a sua soneca, dizia-lhe bocejando:
- Ora viva o menino bonito!
Amaro ia sentar-se ao pé de Amélia, que costurava à mesa; o olhar penetrante que se trocavam era todos os dias como o mútuo juramento mudo que o seu amor crescera desde a véspera; e às vezes mesmo, debaixo da mesa, roçavam os joelhos com furor. Começava então a cavaqueira. Eram sempre os mesmos interessezinhos, as questões que iam na Misericórdia, o que dissera o senhor chantre, o cônego Campos que despedira a criada, o que se rosnava da mulher do Novais...
- Mais amor do próximo! resmungava o cônego mexendo-se na poltrona. E com um arroto curto tornava a cerrar as pálpebras.