Então as botas de João Eduardo rangiam na escada, e Amélia imediatamente abria a mesinha para a partida de manilha: os parceiros eram a Gansoso, D. Josefa, o pároco; e como Amaro jogava mal, Amélia, que era mestra, sentava-se por detrás dele para o "guiar". Logo às primeiras vasas havia altercações. Então Amaro voltava o rosto para Amélia, tão perto que confundiam os seus hálitos.
- Esta? perguntava, indicando a carta com olho lânguido.
- Não! não! espere, deixe ver, dizia ela, vermelha.
O seu braço roçava o ombro do pároco: Amaro sentia o cheiro da água-de-colônia que ela usava com exagero.
Defronte, ao pé de Joaquina Gansoso, João Eduardo, mordicando o bigode, contemplava-a com paixão; Amélia, para se desembaraçar daqueles dois olhos langorosos fitos nela, tinha-lhe dito, por fim "que até era indecente, diante do pároco que era de cerimônia, estar assim a cocá-la toda a noite".
Ás vezes mesmo dizia-lhe, rindo:
- Ó Sr. João Eduardo, vá conversar com a mamã, se não temo-la aqui temo-la a dormir.
E João Eduardo ia sentar-se ao pé da S. Joaneira, que, de lunetas na ponta do nariz, fazia sonolentamente a sua meia.
Depois do chá Amélia sentava-se ao piano. Causava então entusiasmo em Leiria uma velha canção mexicana, a Chiquita. Amaro achava-a de apetite; e sorria de gozo, com os seus dentes muito brancos, apenas Amélia começava com muita languidez tropical:
Quando sali de la Habana,
Valga-me Dios ! ...
Mas Amaro amava sobretudo a outra estrofe, quando Amélia, com os dedos frouxos no teclado, o busto deitado para trás, rolando os olhos ternos, em movimentos doces de cabeça, dizia, toda voluptuosa, silabando o espanhol:
Si à tua ventana llega
Una paloma,
Trata-la com cariño
Que es mi persona.
E como a achava graciosa, crioula, quando ela gorjeava:
Ay chiquita que si,
Ay chiquita que no-o-o-o!
Mas as velhas reclamavam-no para continuar a manilha, e ele ia sentar-se, cantarolando as últimas notas, com o cigarro ao canto da boca, os olhos húmidos de felicidade.