O Crime do Padre Amaro - Cap. 11: Capítulo 11 Pág. 188 / 478

E foram descendo a igreja atrás do sacristão, que fazia tilintar o seu molho de chaves, pigarreando grosso.

Nas capelas pendiam as armações de paninho negro agaloadas de prata; ao centro, entre quatro fortes tocheiras de grosso morrão, estava a essa, com o largo pano de veludilho cobrindo o caixão do Morais, recaindo em pregas franjadas; à cabeceira tinha uma larga coroa de perpétuas; e aos pés pendia, dum grande laço de fita escarlate, o seu hábito de cavaleiro de Cristo.

O padre Natário então parou; e tomando o braço de Amaro, com satisfação:

- E depois, meu caro amigo, tenho outra preparada ao cavalheiro...

- O quê?

- Cortar-lhe os víveres!

- Cortar-lhe os víveres?

- O pateta estava para ser empregado no governo civil, primeiro amanuense, hem? Pois vou-lhe desmanchar o arranjinho!... E o Nunes Ferral que é dos meus, homem de boas ideias, vai pô-lo fora do cartório... E que escreva então Comunicados!

Amaro teve horror àquela intriga rancorosa:

- Deus me perdoe, Natário, mas isso é perder o rapaz.

- Enquanto o não vir por essas ruas a pedir um bocado de pão, não o largo, padre Amaro, não o largo!

- Oh, Natário! oh, colega! isso é de pouca caridade... Isso não é de cristão... E então aqui que Deus está a ouvi-lo...

- Não lhe dê isso cuidado, meu caro amigo... Deus serve-se assim, não é a resmungar Padre-Nossos. Para ímpios não há caridade! A Inquisição atacava-os pelo fogo, não me parece mau atacá-los pela fome. Tudo é permitido a quem serve uma causa santa... Que se não metesse comigo!

Iam a sair; mas Natário deitou um olhar para o caixão do morto, e apontando com o guarda-chuva:

- Quem está ali?

- O Morais, disse Amaro.

- O gordo, picado das bexigas?

- Sim.

- Boa besta!





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