O Crime do Padre Amaro - Cap. 21: Capítulo 21 Pág. 390 / 478

- E tem convivido com pessoas que, como a senhora, são sujeitas a essas inquietações?

- Todas as pessoas que conheço, dúzias de amigas, todo o mundo... O inimigo não me escolheu só a mim... A todos se atira...

- E que remédio dava a essas ansiedades de alma...?

- Ai, senhor abade, aqueles santos da cidade, o senhor pároco, o Sr. Silvério, o Sr. Guedes, todos, todos nos tiravam sempre de embaraços... E com uma habilidade, com uma virtude...

O abade Ferrão ficou calado um momento: sentia-se triste, pensando que por todo o reino tantos centenares de sacerdotes trazem assim voluntariamente o rebanho naquelas trevas de alma, mantendo o mundo dos fiéis num terror abjeto do Céu, representando Deus e os seus santos como uma corte que não é menos corrompida, nem melhor, que a de Calígula e dos seus libertos.

Quis então levar àquele noturno cérebro de devota, povoado de fantasmagorias, uma luz mais alta e mais larga. Disse-lhe que todas as suas inquietações vinham da imaginação torturada pelo terror de ofender a Deus... Que o Senhor não era um amo feroz e furioso, mas um pai indulgente e amigo... Que é por amor que é necessário servi-lo, não por medo... Que todos esses escrúpulos, Nossa Senhora a enterrar alfinetes, o nome de Deus a cair no estômago, eram perturbações da razão doente. Aconselhou-lhe confiança em Deus, bom regime para ganhar forças. Que não se cansasse em orações exageradas...

- E quando eu voltar, disse enfim erguendo-se e despedindo-se, continuaremos a conversar sobre isto, e havemos de serenar essa alma.

- Obrigada, senhor abade, respondeu a velha secamente.

E apenas a Gertrudes daí a pouco entrou a trazer-lhe a botija para os pés, D. Josefa exclamou, toda indignada, quase choramigando:

- Ai, não presta para nada, não presta para nada!... Não me percebeu... É um tapado... É um pedreiro-livre, Gertrudes! Que vergonha num sacerdote do Senhor...





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