O Crime do Padre Amaro - Cap. 21: Capítulo 21 Pág. 391 / 478

Desde esse dia não tornou a revelar ao abade os pecados medonhos que continuava a cometer; e quando ele, por dever, quis recomeçar a educação da sua alma, a velha declarou-lhe sem rodeios que, como se confessava com o Sr. padre Gusmão, não sabia se seria delicado receber de outro a direção moral...

O abade fez-se vermelho, respondeu:

- Tem razão, minha senhora, tem razão, deve-se ter muita delicadeza nessas coisas...

Saiu. E daí por diante, depois de ter entrado no quarto a saber-lhe da saúde, de ter falado do tempo, da estação, das doenças que iam, de alguma festa na igreja, - apressava-se em se despedir e ir para o terraço conversar com Amélia.

Vendo-a sempre tão tristonha, interessara-se por ela; para Amélia, as visitas do abade eram uma distração, naquela solidão da Ricoça; e assim se iam familiarizando, a ponto que nos dias em que ele regularmente vinha, Amélia punha um mantelete e ia pelo caminho dos Poiais esperá-lo até junto da casa do ferrador. As conversas do abade, falador incansável, entretinham-na, tão diferentes dos mexericos da Rua da Misericórdia, - como o espetáculo dum largo vale com árvores, plantações, águas, pomares e rumor de lavouras, recreia os olhos habituados às quatro paredes caiadas duma trapeira da cidade. Tinha com efeito uma destas conversações semelhantes aos jornais semanais de recreio, o TESOURO DAS FAMÍLIAS ou as LEITURAS PARA SERÕES, em que há de tudo - doutrina moral, histórias de viagens, anedotas de grandes homens, dissertações sobre a lavoura, citação duma boa chalaça, traços sublimes da vida dum santo, um verso aqui e além, e até receitas, como uma muito útil que deu a Amélia para lavar as flanelas sem encolherem. Só era monótono quando falava da sua família paroquiana, dos casamentos, batizados, doenças, questões, ou quando começava as suas histórias de caça.





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