O Crime do Padre Amaro - Cap. 23: Capítulo 23 Pág. 444 / 478

Muito tempo rondou a casa. Mas ela permanecia na mesma escuridão, naquele silêncio que o aterrava. Depois, triste e fatigado, veio voltando para a cidade, quando batiam as dez badaladas na Sé.

* * *

A essa hora, na sala de jantar da Ricoça, o doutor Gouveia ceava tranquilamente o frango assado que lhe preparara a Gertrudes, para depois das canseiras do dia. O abade Ferrão, sentado junto da mesa, assistia-lhe à ceia; viera munido dos sacramentos para o caso de haver perigo. Mas o doutor estava satisfeito; durante as oito horas de dores a rapariga mostrara- se corajosa; o parto fora feliz, de resto, e saíra um rapagão que fazia muita honra ao papá.

O bom abade Ferrão baixava castamente os olhos àqueles detalhes, no seu pudor de sacerdote.

- E agora, dizia o doutor trinchando o peito do frango, agora que eu introduzi a criança no mundo, os senhores (e quando digo os senhores, quero dizer a Igreja) apoderam-se dele e não o largam até a morte. Por outro lado, ainda que menos sofregamente, o Estado não o perde de vista... E aí começa o desgraçado a sua jornada do berço à sepultura, entre um padre e um cabo de polícia!

O abade curvou-se, e tomou uma estrondosa pitada preparando-se para a controvérsia.

- A Igreja, continuava o doutor com serenidade, começa, quando a pobre criatura ainda nem tem sequer consciência da vida, por lhe impor uma religião...

O abade interrompeu, meio sério, meio rindo:

- Ó doutor, ainda que não seja senão por caridade com a sua alma, devo adverti-lo que o sagrado Concílio de Trento, cânon décimo terceiro, comina a pena de excomunhão contra todo o que disser que o batismo é nulo, por ser imposto sem a aceitação da razão.





Os capítulos deste livro