O Crime do Padre Amaro - Cap. 23: Capítulo 23 Pág. 445 / 478

- Tomo nota, abade. Eu estou acostumado a essas amabilidades do Concílio de Trento para comigo e outros colegas...

- Era uma assembleia respeitável! acudiu o abade já escandalizado.

- Sublime, abade. Uma assembleia sublime. O Concílio de Trento e a Convenção foram as duas mais prodigiosas assembleias de homens que a terra tem presenciado...

O abade fez uma visagem de repugnância àquele cotejo irreverente entre os santos autores da doutrina e os assassinos do bom rei Luís XVI.

Mas o doutor prosseguiu:

- Depois, a Igreja deixa a criança em paz algum tempo enquanto ela faz a sua dentição e tem o seu ataque de lombrigas...

- Vá, vá, doutor! murmurava o abade, escutando-o pacientemente, de olhos cerrados - como significando "anda, anda, enterra bem essa alma no abismo de fogo e pez"!

- Mas quando se manifestam no pequeno os primeiros sintomas de razão, continuava o doutor, quando se torna necessário que ele tenha, para o distinguir dos animais, uma noção de si mesmo e do Universo, então entra-lhe a Igreja em casa e explica-lhe tudo! Tudo! Tão completamente, que um gaiato de seis anos que não sabe ainda o bê-a-bá tem uma ciência mais vasta, mais certa, que as reais academias combinadas de Londres, Berlim e Paris! O velhaco não hesita um momento para dizer como se fez o Universo e os seus sistemas planetários; como apareceu na Terra a criação; como se sucederam as raças; como passaram as revoluções geológicas do globo; como se formaram as línguas; como se inventou a escrita... Sabe tudo: possui completa e imutável a regra para dirigir todas as ações e formar todos os juízos; tem mesmo a certeza de todos os mistérios; ainda que seja míope como uma toupeira vê o que se passa na profundidade dos céus e no interior do globo; conhece, como se não tivesse feito senão assistir a esse espetáculo, o que lhe há-de suceder depois de morrer...





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