O Crime do Padre Amaro - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 90 / 478

- É o senhor a jogar, dizia-lhe a S. Joaneira a cada momento.

Depois ele esquecia-se de comprar cartas.

- Ah menino, menino! dizia ela com a sua voz pachorrenta, que lhe puxo essas orelhas!

Amélia ia cosendo com a cabeça baixa: tinha um pequeno casabeque preto com botões de vidro, que lhe disfarçava a forma do seio.

E Amaro irritava-se daqueles olhos fixos na costura, daquele casaco amplo escondendo a beleza que mais apetecia nela! E nada a esperar. Nada dela lhe pertenceria, nem a luz daquelas pupilas, nem a brancura daqueles peitos! Queria casar - e guardava tudo para o outro, o idiota, que sorria baboso, jogando paus! Odiou-o então, dum ódio complicado de inveja ao seu bigode negro e ao seu direito de amar...

- Está incomodado, senhor pároco? perguntou Amélia, vendo-o mexer-se bruscamente na cadeira.

- Não, disse ele secamente.

- Ah! fez ela, com um leve suspiro, picando rapidamente o pesponto.

O escrevente, baralhando as cartas, começara a falar de uma casa que queria alugar; a conversa caiu sobre arranjos domésticos.

- Traz-me luz! gritou Amaro à Ruça.

Desceu para o seu quarto, desesperado. Pôs a vela sobre a cômoda; o espelho estava defronte, e a sua imagem apareceu-lhe; sentiu-se feio, ridículo com a sua cara rapada, a volta hirta como uma coleira, e por trás a coroa hedionda. Comparou-se instintivamente com o outro que tinha um bigode, o seu cabelo todo, a sua liberdade! Para que hei-de eu estar a ralar- me? pensou. O outro era um marido; podia dar-lhe o seu nome, uma casa, a maternidade; ele só poderia dar-lhe sensações criminosas, depois os terrores do pecado! Ela simpatizava talvez com ele, apesar de padre; mas antes de tudo, acima de tudo, queria casar; nada mais natural!





Os capítulos deste livro