Luísa passou a noite às voltas, com febre. Jorge de madrugada ficou assustado da frequência do seu pulso e do calor seco da pele.
Ele mesmo muito nervoso, não pudera dormir.
O quarto, onde se não acendera luz havia muito, tinha uma frialdade desabitada na parede, junto ao teto, havia manchas de umidade; e a cama antiga de colunas torneadas sem cortinados, o velho trenó do século passado com o seu espelho embaciado davam, à luz bruxuleante da lamparina, um sentimento triste de convivências extintas. O achar-se ali com a sua mulher, numa cama alheia, trazia-lhe, sem saber por quê, uma vaga saudade; parecia-lhe que se dera na sua vida uma alteração brusca - e que, semelhante a um rio a que se muda o leito, a sua existência, desde essa noite, começaria a correr entre aspectos diferentes. O nordeste fazia bater os caixilhos da vidraça, e uivava encanado na rua.
Pela manhã, Luísa não se pôde levantar.
Julião, chamado à pressa, tranquilizou-os:
- É uma febrezita nervosa. Quer sossego, não vale nada. Foi o medozinho de ontem, hem?
- Sonhei toda a noite com ela - disse Luísa. - Que tinha ressuscitado... Que horror!
- Ah! Pode estar sossegada... E já a aviaram, a mulher?
- O Sebastião lá anda com a maçada - disse Jorge. - E eu vou dar uma vista de olhos.
Na rua já se sabia a morte da Tripa Velha.
A mulher que a veio amortalhar, uma matrona muito picada das bexigas com os olhos avermelhados da paixão da aguardente, era conhecida da Sra. Helena. Estiveram um momento a palrar ao sol, à porta do estanque:
- Muito que fazer agora, Sra. Margarida, hem?
- Bastante, bastante, Sra. Helena - disse a amortalhadeira com a voz um pouco rouca. - No inverno sempre há mais obra. Mas tudo gente velha, com os frios.