Crepúsculo dos Ídolos - Cap. 10: Capítulo 10 Pág. 90 / 106

Ele extravasa, ele transborda, ele se consome, ele não se poupa - com fatalidade, fatidicamente, involuntariamente como a irrupção de um rio por sobre as suas margens é involuntária. Mas porque se deve muito a tais explosivos, também lhes presentearam em contrapartida muitas coisas, por exemplo um tipo de moral superior... Este é mesmo o modo de ser da gratidão humana: ela compreende mal seus benfeitores.

45.

O criminoso e o que lhe é aparentado. - O tipo do criminoso é o tipo do homem forte sob condições desfavoráveis, um homem forte transformado em um homem doente. A ele falta a selva, uma certa natureza e forma de existência mais livres e mais perigosas, na qual todas as armas e objetos de defesa presentes no instinto do homem forte são justas. Suas virtudes caem sob o encanto da sociedade; os impulsos mais vitais trazidos consigo definham em meio ao crescimento conjunto com os afetos oprimidos, com a suspeita, com o medo, com a desonra. Mas este é quase mesmo a receita para a degradação fisiológica. Aquele que precisa empreender às escondidas o que pode fazer melhor e que faria com o maior prazer, este se torna anêmico depois de uma longa tensão, de um longo cuidado, de uma longa astúcia; e como ele sempre colhe apenas perigo, perseguição, fatidicidade de seus instintos, transmuta-se também o seu sentimento frente a estes instintos - ele os sente fatalisticamente. A sociedade, nossa sociedade domesticada, mediana, adulterada é o lugar no qual um homem talhado naturalmente para o crescimento, que vem das montanhas ou das aventuras no mar, se degrada necessariamente e se transforma em um criminoso. Ou quase necessariamente: pois há casos, nos quais um tal homem se mostra mais forte do que a sociedade: o córsico Napoleão é o caso mais célebre.





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