Homenagem à Catalunha - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 10 / 193

Essas coisas acabam um pouco chatas. Em teoria, eu admiro muito os espanhóis por não partilharem nossa setentrional neurose cronométrica, mas por desgraça também sofro dela.

Depois de boatos sem fim, muitos mañanas e retardamentos, recebemos de repente ordens para seguir rumo à linha de frente, com duas horas de antecedência, quando grande parte de nosso equipamento ainda estava por ser distribuída. Formaram-se tumultos tremendos no depósito do intendente, e ao final das coisas eram numerosos os que tinham de partir sem estarem com todo o seu equipamento. O quartel ficara logo repleto de mulheres que pareciam ter brotado do chão, e estavam ajudando seus homens a enrolar os cobertores e preparar suas bolsas. Para mim foi bastante humilhante ter de aprender como envergar minhas cartucheiras, e aprender com uma espanhola, a esposa de Williams, o outro miliciano inglês. Era uma criatura gentil, de olhos negros e intensamente feminina, com toda a aparência de que o único trabalho de sua vida estaria em embalar um berço, mas que na verdade lutara bravamente nas batalhas travadas nas ruas, em julho. A esta altura ela estava carregando uma criancinha nascida dez meses depois de iniciada a guerra, criança essa que talvez tivesse sido gerada atrás de uma barricada.

O trem deveria partir às Oito, e eram oito e dez quando os oficiais, vexados e suando em bicas, conseguiram reunir-nos na praça do quartel. Lembro-me com toda clareza daquela cena ocorrida à luz dos archotes - o clamor e a animação, as bandeiras vermelhas tremulando à luz dos archotes, as fileiras cerradas de milicianos com mochila às costas e os cobertores enrolados e atravessados no ombro à bandoleira, e mais os gritos e bater de botinas e vasilhas de estanho nas quais comíamos e, finalmente, o pedido hercúleo e vitorioso para que se fizesse silêncio. Foi quando algum comissário político, de pé sob uma imensa bandeira vermelha que drapejava, pronunciou um discurso em catalão. Depois disso marchamos até à estação, fazendo-o pelo caminho mais longo e que se estendia por uns sete quilômetros, de modo a sermos vistos por toda a cidade. Na Ramblas, fizeram-nos parar enquanto uma banda de música arrumada por empréstimo executava algumas peças revolucionárias. Mais uma vez veio aquela história de heroísmo e vencedores, gritos e entusiasmo, bandeiras vermelhas e bandeiras rubro-negras por toda a parte, multidões nas calçadas para poderem olhar, mulheres que acenavam das janelas... Como tudo pareceu natural naquela ocasião, e como parece distante e inacreditável agora!





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