Contra esse mundo fantasmagórico, no qual o preto pode ser branco amanhã, e as condições atmosféricas de ontem possam ser mudadas por decreto, só existem realmente duas salvaguardas. Uma é que, por mais que neguemos a verdade, ela continua existindo, por assim dizer, atrás de nossas costas, e por consequência não a poderemos violar por modos que diminuam a eficiência militar. A outra é que enquanto algumas partes da terra continuarem inconquistadas, poderá ser sustentada a tradição liberal. Deixemos o fascismo, ou uma combinação de fascismos diversos, conquistar o mundo, e essas duas condições deixarão de existir. Nós, na Inglaterra, subestimamos o perigo apresentado por esse tipo de coisa, pois nossas tradições e segurança passada proporcionaram-nos uma crença sentimental de que, no fim, tudo dá certo, e aquilo que mais receamos realmente jamais acontece. Nutridos, séculos a fio, numa literatura em que invariavelmente o Bem triunfa no último capítulo, acreditamos de modo semi-instintivo em que o mal sempre derrota a si próprio, com o tempo. O pacifismo, por exemplo, está em grande parte fundamentado nessa crença. Não resistamos ao mal, e de algum modo ele se destruirá sozinho. Mas por que haveria de fazê-lo? Que prova existe de que isso aconteça? E que exemplo encontramos de um moderno estado industrializado entrando em colapso, a menos que conquistado por força militar vinda do exterior?
Examinemos, por exemplo, a reinstituição da escravidão, Quem poderia ter imaginado, vinte anos atrás, que a escravidão voltaria à Europa? Pois bem, ela foi restaurada bem diante de nossos narizes. Os campos de trabalhos forçados, espalhados por toda a Europa e África do Norte, onde os poloneses, russos, judeus e prisioneiros políticos de todas as raças labutam na construção de estradas ou drenagem de pântanos, recebendo em troca apenas rações de subsistência, não passam de simples escravidão. O mais que alguém pode dizer é que não se permite ainda a compra e venda dos escravos. De outro modo - no rompimento das famílias, por exemplo - as condições mostram-se piores hoje do que foram nas plantações de algodão da América.