Já amanhecia, e por toda a extensão da frente, por quilômetros ao redor, estrugiam disparos irregulares como a chuva que continua caindo depois do temporal. Lembro-me do aspeto desolado de tudo, dos carrascais de lama, os choupos gotejando, a água amarela no fundo das trincheiras, os rostos exaustos dos homens, barbudos, emplastrados de lama e sujos até aos olhos com a fumaça de pólvora. Quando regressei ao meu abrigo, encontrei os três homens com que o partilhava, já adormecidos. Atiraram-se ali com todo o equipamento e agarrados aos fuzis enlameados. Tudo estava encharcado, dentro e fora do abrigo. Depois de muito procurar, consegui achar quantidade suficiente de lenha seca para acender uma pequenina fogueira. E fumei o charuto que estivera guardando e que, por surpreendente que parecesse, não se quebrara no correr daquela noite.
Posteriormente ficamos sabendo que nossa ação fora um êxito, até onde o poderia ser. Fora apenas uma investida para fazer os fascistas trazer soldados do outro lado de Huesca, onde os anarquistas os atacavam. Eu calculara que os fascistas tivessem posto cem ou duzentos homens naquele contra-ataque, mas um desertor viria mais tarde contar-nos que foram seiscentos. Atrevo-me a dizer que ele mentia, pois os desertores, por motivos óbvios, procuram granjear simpatia. Foi uma grande pena ficarmos sem o telescópio. O pensamento de que perdemos aquele magnífico objeto é coisa que ainda hoje me amola.