Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 2: II Pág. 65 / 273

As causas da sua amargura eram muitas, tanto remotas como próximas. Sentia-se irritado consigo próprio por ser jovem e presa de inquietos e tolos impulsos, irritado, também, com a mudança da fortuna que estava a alterar o mundo à sua volta, numa visão de miséria e de mentira. Todavia, a sua ira não alterava essa visão. Registava com paciência o que via, afastando-se e saboreando em segredo o seu sabor mortificante.

Estava sentado no banco da cozinha da sua tia. Um candeeiro com quebra-luz pendia da parede lacada da chaminé e, à sua luz, a tia lia o jornal da tarde, que tinha sobre os joelhos. Olhou durante longo tempo para a fotografia sorridente que nele se mostrava e disse, pensativa:

- A bela Mabel Hunter!

Uma menina de caracóis pôs-se nas pontas dos pés para espreitar a fotografia e perguntou com voz suave: - Onde é que ela está, mãe?

- Numa pantomima, minha querida.

A criança encostou a cabeça anelada à manga da mãe, olhando a fotografia, e murmurou, fascinada:

- A bela Mabel Hunter!

Como em êxtase, os seus olhos demoraram-se longamente naqueles olhos discretamente zombeteiros, e murmurou, com devoção:

- Não é linda?

E o rapaz que chegava da rua, caminhando curvado sobre a sua saca de carvão, ouviu as suas palavras. Largou imediatamente a sua carga no chão e correu para junto dela, para ver. Amachucou as pontas do jornal com as mãos avermelhadas e sujas de carvão, afastando-o com o ombro e queixando-se de não ver bem.

Estava sentado na estreita copa, no andar superior da velha casa de janelas escuras. A luz da lareira oscilava na parede e, por trás da janela, crescia um crepúsculo espectral sobre o rio. Diante da lareira, uma velha preparava o chá e, enquanto se ocupava da sua tarefa, ia relatando, em voz baixa, o que "o padre e o médico tinham dito.





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