As Viagens de Gulliver - Cap. 4: Capítulo II Pág. 104 / 339

Bebia por um dedal, a servir de copo, o licor que Glumdalclitch me dera e bebia à sua saúde. Desembainhava o sabre e esgrimia-o ao estilo dos espadachins ingleses. A minha ama dava-me um pedaço de palha que eu brandia como se fosse uma lança, habilidade que aprendera na minha juventude. Naquele dia exibi-me perante doze grupos e o esforço de repetir, uma e outra vez, os mesmos movimentos, foi tão considerável que acabei quase morto de cansaço e de dor. Como o público que saía contava as espantosas coisas que eu fazia, a multidão estava disposta a forçar a porta para conseguir entrar. O meu amo, por interesse, não permitia que ninguém, excepto a minha ama, me tocasse e, para evitar riscos, colocaram-se bancos em redor da mesa, a certa distância, para não ficar ao alcance do público. Apesar disso, um estudante maldoso atirou-me uma avelã que quase me atingiu a cabeça; e, se não tivesse falhado, ter-me-ia aberto a cabeça irremediavelmente, pois o projéctil era quase do tamanho de um melão e vinha com grande força; mas tive a satisfação de ver como o zurziam e o expulsavam do aposento.

O meu amo afixou um cartaz para dar conhecimento geral de que me exibiria na feira seguinte; entretanto, preparou-me uma forma de transporte mais cómoda. Tinha boas razões para fazê-lo, pois eu estava tão fatigado com esta primeira viagem e com a repetição das minhas habilidades durante oito horas seguidas para divertir o público, que quase não conseguia pôr-me de pé ou proferir palavra. Passaram pelo menos três dias antes que recuperasse forças. Para cúmulo, tão-pouco me foi possível descansar em casa. Toda a gente que vivia num raio de cem milhas, quando soube da minha fama, acorria a casa do meu amo para ver-me. Com as mulheres e os filhos, nunca eram menos de trinta (aquela região estava densamente povoada).





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