As Viagens de Gulliver - Cap. 6: Capítulo IV Pág. 304 / 339

Quanto a isto estava totalmente de acordo com o pensamento de Sócrates conforme o explica Platão; e este é o maior elogio que posso tributar a este príncipe dos filósofos. A partir daí meditei com frequência nos estragos que produziria nas bibliotecas europeias a aplicação dessa doutrina e no impedimento que representaria no acesso à fama a muitos que pertencem ao mundo da erudição.

As duas grandes qualidades dos houyhnhnms são a amizade e a benevolência, que não são atributos de alguns, mas comuns a toda a raça. Assim, um forasteiro do lugar mais remoto recebe o mesmo tratamento que o vizinho mais próximo e, onde quer que vá, sente-se como em casa. Têm um sentido muito profundo do decoro e da cortesia, mas deixam de lado qualquer formalismo. Não sentem particular ternura pelos seus potros e potras; o esmero que põem na sua educação deriva inteiramente dos ditames da razão. Verifiquei, aliás, que o meu amo mostrava a mesma predilecção pelos filhos dos vizinhos que pelos seus próprios. Consideram que a natureza os ensina a amar qualquer raça e distinguem os indivíduos pela razão e por um grau superior de virtude.

Quando uma mãe houyhnhnm dá à luz um filho de cada sexo deixa de ter relações com o cônjuge, salvo se ocorrer a morte de um deles por acidente, o que é muito raro; em tal caso o casal volta a juntar-se. Quando tal acidente sucede a uma família cuja esposa não pode conceber outro casal cede-lhe um dos filhos e volta a conviver até que a mãe engravide. Entendem necessária essa precaução para evitar sobrecarregar o país com um excesso de população. Esta cláusula restritiva não se aplica à raça inferior dos houyhnhnms, educados para a servidão. Podem dar à luz três indivíduos de cada sexo, para estar ao serviço das famílias nobres.





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