Apagou a luz; o tempo estava quente e D. Quixote não podia dormir; levantou-se do leito, abriu um pouco a janela que deitava para um formoso jardim e, ao abri-la, sentiu que nesse jardim andava gente a falar.
Pôs-se a escutar atentamente; levantaram a voz os passeantes, tanto que pôde ouvir este diálogo:
— Não teimes comigo, Emerência, para eu cantar, porque sabes perfeitamente que desde o momento em que este forasteiro entrou no castelo, eu já não sei cantar, e não sei senão chorar, tanto mais que o sono da minha senhora é levíssimo e não quereria ser encontrada aqui nem que me dessem todos os tesouros do mundo: e ainda que ela não despertasse, baldado seria o meu canto, visto que dorme e não acorda para o ouvir este novo Eneias, que chegou à minha pátria para me deixar escarnecida.
— Não digas isso, Altisidora amiga — respondeu outra voz; — decerto a duquesa e todas as pessoas de casa dormem, menos o senhor do teu coração e o despertador de tua alma, porque senti agora mesmo que abriu a janela do seu quarto e está sem dúvida acordado. Canta, minha pobre amiga, em tom brando e suave e ao som da tua harpa e, se a duquesa nos sentir, deitaremos a culpa ao calor que faz.
— Não é aí que bate o ponto, Emerência — respondeu Altisidora — o que eu não queria era que o meu canto descobrisse o meu nome e fosse considerada, pelos que não avaliam o que é o amor, donzela leviana; mas, venha o que vier, melhor é a vergonha na cara, que a nódoa no coração.
E começou a tocar uma harpa suavissimamente.